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O projeto Voicescapes for the Landless busca elaborar novas narrativas junto ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Existindo como grupo organizado no Brasil já há algumas décadas, a reivindicação básica do MST se pauta por um dos princípios da constituição brasileira de 1988, ao afirmar que o direito de posse da terra deve atender a uma função social, o que basicamente quer dizer: que permaneça em uso. O MST, desta forma, efetua uma luta que atua, num primeiro momento, se assentando sobre terras improdutivas como forma de pressionar e chamar a atenção do Estado e das autoridades para a necessidade de redistribuição da posse destes locais. Tal reivindicação frequentemente colide com interesses dos latifundiários e fricciona relações estabelecidas de poder e do agronegócio. Episódios de violência são um relato comum na memória de muitas famílias assentadas. 

Além da luta por direito à terra, o MST promove outras revoluções. Em primeiro lugar, ao buscar uma forma de cultivo distinta do modelo dos latifúndios, o movimento tem se tornado uma das principais referências em agroecologia no Brasil.  A Educação é ainda entendida como um eixo fundamental de transformação. Os assentamentos, além de possuírem em geral suas próprias escolas, promovem a necessidade de uma mudança de paradigmas epistemológicos e existenciais que questionam o meio urbano como o modelo de conhecimento e de realização pessoal. Tendo o educador Paulo Freire como uma de suas principais referências, a Educação do Campo propõe uma emancipação da imagem do campo como mero produtor de alimento para entendê-lo enquanto um pólo de conhecimento e cultura. 

A partir de métodos expandidos de escuta, criamos registros sonoros que mesclam entrevistas com assentados e sons das agroflorestas. Uma memória multidimensional então se elabora: a de vivências pessoais e coletivas, em que se narram histórias de luta e resistência dos assentados, juntamente com paisagens sonoras, em que se mesclam as vozes da floresta e os sons do cultivo. As narrativas registradas colaboram para expandir saberes locais e dissolver o mito da história única, contada de um ponto de vista eurocêntrico, urbano e antropocêntrico, indo, portanto, ao modelo de Educação que o MST propõe. 

Os registros sonoros, por sua vez, buscam ativar outras formas de ligação com o mundo além do parâmetro da visão. Na mata densa das agroflorestas, a visão possui um alcance limitado, situação propícia para outros sentidos – como a audição e olfato – se tornarem meios de localização e relacionamento com o entorno. 

Voicescapes for the Landless iniciou em Terra Vista – um assentamento no município de Arataca, Bahia. Como um dos resultados do projeto, pretendemos criar registros sonoros para serem usados nas escolas dos próprios assentamentos como material didático. Esta primeira parte em Terra Vista aconteceu durante o mês de março de 2022, quando visitamos o assentamento junto com o artista e fotógrafo Pedro Leal, colaborador do projeto. Além do material sonoro gerado, também foram feitas fotos de nossos encontros e do processo de gravação de entrevistas e sons.

[EN]

The Voicescapes for the Landless project seeks to develop new narratives with the MST (Landless Rural Workers Movement). Existing as an organized group in Brazil for some decades, the basic claim of the MST is guided by one of the principles of the Brazilian constitution of 1988, which states that the right to land tenure must serve a social function, which basically means: that it remains in use. The MST, thus, carries out a struggle that acts at first based on unproductive lands as a way of pressing and drawing the attention of the State and the authorities to the need to redistribute the possession of these places. Such a claim often collides with the interests of landowners and rubs off established power and agribusiness relationships. Episodes of violence are a common account in the memory of many settled families.

In addition to the struggle for land rights, the MST promotes other revolutions. Firstly, by seeking a different form of cultivation from the latifundia model, the movement has become one of the main references in agroecology in Brazil. Education is still understood as a fundamental axis of transformation. The settlements, in addition to generally having their own schools, promote the need for a change in epistemological and existential paradigms that question the urban environment as a model of knowledge and personal fulfillment. Having the educator Paulo Freire as one of its main references, Educação do Campo proposes an emancipation from the image of the countryside as a mere producer of food to understand it as a pole of knowledge and culture.

Using expanded listening methods, we created sound recordings that mix interviews with settlers and sounds from agroforestry. A multidimensional memory is then elaborated: that of personal and collective experiences, in which stories of struggle and resistance of the settlers are narrated, along with soundscapes, in which the voices of the forest and the sounds of cultivation are mixed. The recorded narratives collaborate to expand local knowledge and dissolve the myth of a single story, told from a Eurocentric, urban and anthropocentric point of view, thus following the model of Education proposed by the MST.

Sound recordings, in turn, seek to activate other forms of connection with the world beyond the parameter of vision. In the dense forest of agroforestry, vision has a limited range, a favorable situation for other senses – such as hearing and smell – to become means of locating and relating to the surroundings.

Voicescapes for the Landless started in Terra Vista – a settlement in the municipality of Arataca, Bahia. As one of the results of the project, we intend to create sound recordings to be used in schools in the settlements themselves as didactic material. This first part in Terra Vista took place during the month of March 2022, when we visited the settlement together with the artist and photographer Pedro Leal, a collaborator on the project. In addition to the sound material generated, photos were also taken of our meetings and of the recording process of interviews and sounds.