Quando me dirigia ao evento de Jorgge Menna Barreto, projetava uma ideia do que aconteceria alimentado pelas informações do jornal do dia. Sabia, por exemplo, que meus conhecimentos de arte, acumulados em prazeirosas leituras e longas conversas com companheiros, não seriam aplicáveis à situação. Quando muito, poderia traçar algum paralelo com performances que presenciara nos anos 70 e início dos 80. Minha disposição mental, no entanto, era a de transpor este leve estado aflitivo e me deixar levar pela curiosidade.
Gosto de descrever e de descrições de obras de arte. Descrições atentas em geral clareiam os objetos de seu foco. Então subi os lances de escada do Torreão. No pequeno e característico espaço, encontravam-se várias pessoas, entre elas, alguns poucos conhecidos, e uma mesa com um computador e impressora manipulados por uma pessoa (o artista) que registrava com um olhar amigável as nossas presenças. Na observação mais atenta, percebi que alguns dos presentes estavam organizados em fila. Me posicionei de maneira a obedecer ao fluxo do que ali se desenvolvia. Chegada a minha vez, o artista, qual um funcionário de instituição, me dirigiu a sua atenção; lhe forneci meu peso, ele me perguntou se eu gostaria de uma cópia do texto que acompanhava o evento, disse-lhe que sim, ao que ele passou ao trabalho de somar o dado que eu lhe fornecia ao resultado do somatório dos pesos dos que me antecederam. Entregou-me a folha do texto e mais duas outras com o resultado da soma: 1860 kg. Pediu-me que uma das folhas, com o peso total, fosse largada no chão, no centro da pequena sala, onde se acumulavam diversas outras. Assim procedi e procurei um lugar de onde pudesse continuar observando o movimento dos presentes. Assim, durante uma meia hora, no convívio, observei o repetir-se da cena do artista oferecer a sua atenção, ser informado do peso da pessoa, realizar o cálculo somatório, oferecer o seu texto do evento, imprimir as cópias e pedir que uma delas fosse deixada no chão junto das outras. As pessoas ao meu redor, estavam atentas ao crescimento dos números, e me pareceu significativo que num dado momento fosse atingida a cifra dos 3000 e tantos quilos. Concordem que isto é um número grande, mais ainda se for transformado em toneladas, e mesmo que nem todos os responsáveis pelas pequenas parcelas que compunham o resultado alcançado estivessem num mesmo momento no mesmo ambiente, este peso notável havia passado pelo local e pelo artista. Apesar de esse método de quantificação ter sido estabelecido de forma absolutamente arbitrária, era um dado novo para mim. Registro que entre as inúmeras atividades sociais, as quais cumprimos com maior ou menor prazer, só me lembro de fornecermos o peso ao médico, mas nunca a um artista plástico. Mas este dado, fornecido a um profissional da área médica, ou quantificado, por exemplo, na área da engenharia, ou mesmo numa ficha policial, é consequente com as deduções que daí podem ser inferidas. Uma vez que os resultados obtidos por Menna Barreto parecem não potencializar conclusões naquelas áreas sociais e do saber que nos são familiares, podemos divagar saudavelmente. Enquanto somavam-se as parcelas de um todo indefinido, sociabilizamos, pensamos, observamos, trocamos informações… Como essa soma é um fato arbitrado pelo indivíduo-artista, independente (me parece) dos cálculos correntes na sociedade (os juros, as horas, a periodicidade dos ônibus, etc.) o tempo meio que amolece. Não é possível manusear estes resultados racionalmente em confronto com outros dados, mas podemos ter índices de que participamos de algo, em determinado lugar, com determinado peso. Se a metodologia para a obtenção desses índices não considera qualquer rigor, daí a sua arbitrariedade, podemos atribuir-lhes um valor metafórico, simbólico, poético… No momento mesmo em que falharam (propositalmente) com o seu desígnio racionalista, os índices sucessivos de Jorgge Menna Barreto instauraram-se como poética sociabilizante, mas para isso foi preciso estarmos lá.
Mário Röhnelt, artista plástico
2000
Uma versão anterior dessa obra foi apresentada na Casa de Cultura Mario Quintana
[EN]
When I went to Jorgge Menna Barreto’s event, I projected an idea of what would happen, fueled by the information in the daily newspaper. I knew, for example, that my knowledge of art, accumulated in pleasant reading and long conversations with companions, would not be applicable to the situation. At the most, I could draw some parallel with performances I had witnessed in the 70s and early 80s. My mental disposition, however, was to overcome this mild distressing state and let myself be carried away by curiosity.
I like to describe and descriptions of works of art. Attentive descriptions often clear objects of focus. So I climbed the stairs to the Tower. In the small and characteristic space, there were several people; among them, a few well-known ones, and a table with a computer and printer manipulated by a person (the artist) who registered our presence with a friendly look. On closer inspection, I noticed that some of those present were arranged in a row. I positioned myself in order to obey the flow of what was going on there. When it was my turn, the artist, like an official of an institution, directed his attention to me; I gave him my weight, he asked me if I would like a copy of the text that accompanied the event, I said yes, to which he went to work adding the data I gave him to the result of the sum of the weights of those who gave me preceded. He handed me the text sheet and two more with the result of the sum: 1860 kg. He asked me to drop one of the sheets, with its full weight, on the floor, in the center of the small room, where several others were piled up. So I proceeded and looked for a place from where I could continue to observe the movement of those present. So, for half an hour, while socializing, I watched the artist’s scene repeat itself, offer his attention, be informed of the person’s weight, perform the sum calculation, offer his text of the event, print copies and ask that one of them were left on the floor with the others.People around me were aware of the growth in numbers, and it seemed significant to me that at a given moment the figure of 3000 pounds was reached. Agree that this is a large number, even more so if it is converted into tons, and even if not all those responsible for the small plots that made up the result achieved were at the same time in the same environment, this remarkable weight had passed through the place and the artist. Although this method of quantification was established in an absolutely arbitrary way, it was new to me. I register that among the countless social activities, which we carry out with greater or lesser pleasure, I only remember giving the weight to the doctor, but never to a plastic artist. But this data, provided to a professional in the medical field, or quantified, for example, in the field of engineering, or even in a police record, is consistent with the deductions that can be inferred therefrom. Since the results obtained by Menna Barreto do not seem to potentiate conclusions in those social and knowledge areas that are familiar to us, we can happily digress. While the parts of an indefinite whole were added up, we socialized, thought, observed, exchanged information… As this sum is a fact arbitrated by the individual-artist, independent (it seems to me) of the current calculations in society (interest, hours, frequency of buses, etc.) time kind of softens. It is not possible to handle these results rationally in comparison with other data, but we can have indices that we participate in something, in a certain place, with a certain weight. If the methodology for obtaining these indices does not consider any rigor, hence their arbitrariness, we can assign them a metaphorical, symbolic, poetic value… At the very moment when they (purposely) failed with their rationalist design, Jorgge Menna Barreto’s successive indices established themselves as a socializing poetics, but for that we had to be there.
Mário Röhnelt, plastic artist
2000