Frestas: Trienal de Artes

Curadoria pedagógica da Frestas: Trienal de Artes, com Samantha Moreira e Ana Teixeira.
Sorocaba, Brasil
2014

“A ideia de dexistência é uma proposição do artista Jorge Menna Barreto. Ele propõe a nova grafia da palavra como uma possibilidade de diálogo e atravessamento da proposta curatorial da mostra, calcada nas noções de (não) existência e insistência. Outras palavras foram inventadas pelo artista a partir da uma leitura crítica das obras presentes na exposição e também integram a caixa MATÉRIA e o ATELIÊ ABERTO PARA A INVENÇÃO DO INEXISTENTE.”

Trecho da carta de apresentação do material educativo aos professores

Ateliê Aberto para a Invenção do Inexistente: daqui até Aí!

O projeto educativo da 1ª Trienal de Artes foi inspirado no conceito de Ateliê Aberto. Historicamente, é no século XVII que os artistas começam a abrir seus espaços de trabalho para receber o público, fundando assim a própria ideia de exposição de artes, tal qual a concebemos hoje. Esse primeiro movimento de abrir-se para o olhar público, em um espaço até então recluso, ganha força no século XX e transforma radicalmente o modo de pensar o locus da produção artística. Nesse momento, surgem espaços complexos que expandem a própria ideia de exposição para agregar perfomances e eventos que também desconstroem a clássica noção do artista como um mero produtor de objetos. Assim foi o Cabaret Voltaire, já em 1916, que abrigou artistas refugiados da I Guerra de toda a Europa e tornou-se um verdadeiro laboratório que influenciou toda a arte ocidental, servindo como pivô para a formação do movimento Dada.

Em referência mais próxima, Ateliê Aberto também nomeia um espaço em Campinas, desde 1998, dedicado à investigação, idealização e fomento da cultura contemporânea, sempre a partir de processos intensamente colaborativos. Sua fundadora, Samantha Moreira, é uma das idealizadoras do Projeto Educativo da Trienal, junto com os artistas-educadores Ana Teixeira e Jorge Menna Barreto. Imaginamos assim um educativo que tem no Ateliê o seu espaço fundante e, mais ambiciosamente, de invenção do inexistente.

Fisicamente, o Ateliê Aberto para a Invenção do Inexistente ocupa todo o segundo andar do prédio Sesc Sorocaba com oficinas, projetos especiais, atividades e imbricações da ordem da intenção e do acaso. Tal maquinário busca constituir um espaço privilegiado de leitura da TRIENAL, por meio de suas frestas ou a partir das obras de artistas que passarão por Sorocaba, o lugar da rasgadura. O visitante encontra nesse ambiente engrenagens de articulação de sua experiência na mostra. Caracteriza-se, assim, como terreno fértil para uma participação expandida nas obras da exposição, um laboratório de recepção dos conceitos vividos, agora metabolizados a partir de uma nova perspectiva: aquela do inexistente, que insiste, resiste, dexiste.

Mediante encontros abertos com artistas-propositores nos espaços ocupados pela Trienal de Artes e em escolas da cidade, o público também terá condições de aprofundar seu contato com os diálogos propostos pelo evento e de ampliar seu passeio pelas FRESTAS abertas por uma questão que, em si, carrega muitas outras: O QUE SERIA DO MUNDO SEM AS COISAS QUE NÃO EXISTEM? Essa interrogação nos leva a perguntar também: quais são as coisas que não existem? As coisas que nunca existiram, existem? As coisas inexistentes são visíveis? O que não existe tem nome? O que não existe passa a existir quando o nomeamos? O que seria do mundo sem as coisas que não conhecemos, não inventamos, não praticamos, não descobrimos, não experimentamos?

De invenções também é feita a caixa com uma série de cartazes e adesivos, que será distribuída nas escolas da cidade. Tal material não pretende substituir a experiência da visita à exposição, mas sim multiplicar a sua poética, tornando a escola uma extensão da mostra, um lugar para novas experiências. O cartaz é um meio pensado para a comunicação pública, para o espaço da cidade. Sua história se constitui de modo ambivalente. Por um lado está ligada ao desenvolvimento da publicidade; por outro, a estratégias de comunicação política, como os cartazes russos do início do século XX.

Nesse caso, o cartaz é entendido como um dispositivo de mediação entre as ideias fundantes da TRIENAL e sua projeção enquanto matéria educativa e ação artística. Cria-se, assim, um revestimento-pele flexível que busca dar uma face pública ao projeto e pensar a sua relação com o entorno escolar. A escola não é vista, no entanto, como apenas um suporte para os cartazes e adesivos. A intenção é criar um jogo participativo no qual professores e alunos fazem uma leitura ativa do material e articulam de que maneira ele será usado e disposto. Nesse sentido, a escola torna-se também um espaço da TRIENAL, e o material distribuído, um prolongamento da mostra para além do espaço expositivo, fazendo existir uma ponte entre esses dois ambientes de formação. Abre-se o Ateliê, abrem-se as escolas. A sigla advinda da soma das letras iniciais do nome do espaço e possível apelido, Aí, revela muito do espírito aventureiro de tal empreendimento, que se joga no aqui e agora, para, a partir daqui, buscar o sempre desconhecido aí. Aí é o que não está aqui, o que reside para além do horizonte familiar e que emite a brisa que nos dá o norte da criação. Aí é o espaço desconhecido onde o Outro habita, eterno enigma que pulsa e motiva o diálogo, a investigação e a invenção.